O refúgio .

(Escrevo este texto -carta- na pele de Panah, um rapaz de 13 anos que vive num campo de refugiados no Iraque, desde que os seus pais foram mortos num bombardeamento.)

Querido Sacha,
Escrevo-te para encher o vazio que há dentro de mim. Desde que partiste, a solidão tem sido a minha, melhor amiga, nomeio do nada que se instalou aqui. Vejo crianças a chorarem, algumas até de armas na mão; vejo luzes ofuscantes a serem abafadas por grandes nuvens de fumo; oiço barulhos enssurcedores; gritos; oiço o diabo a rir-se; oiço anjos a gemerem de dor...
Há sangue por todo o lado, até parece uma pintura surreal. O pátio verdinho com flores, que cheirava sempre a Primavera já não existe e a casa bege que parecia saída de um conto de fadas também não; agora, só as ruínas podem contar a historia dos belos tempos que passávamos em minha casa.
Estou rodeado de pessoas barulhentas, imundas, doentes, pessoas que somente carregam consigo um olhar de tristeza, magoa, raiva; devemos ser no total uns duzentos, neste cubículo, que seu eu o visse outrora diria que nem de galinheiro serviria...
Escrevo para me libertar destes fantasmas que me acompanham; para me libertar destes demónios. escrevo porque a escrita alimenta os meus míseros sonhos, porque ela é o meu refugio. Escrevo-te, porque tu és hoje tudo o que eu, um dia quis ser.
Míseros sonhos, digo eu... às vezes ponho-me a divagar como será isso aí em Londres e quando dou por mim estou a sonhar; um dia sou um médico bem sucedido, outro dia sou um advogado de respeito, noutro um jornalista de renome, mas nunca Panah, um rapaz a quem os olhos já não brilham, um rapaz imundo, que outrora cheirava a Primavera mas que agora só tresanda a morte!
Meu amigo deixo-te assim, com uma pincelada negra do que aqui vivo; não te posso escrever mais, as folhas são escassas e a caneta já me falha.

Beijo, Panah

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